Susana Guardado

Na região central de Portugal, mais especificamente no Baixo Mondego, existe um vale por onde corre um rio chamado Pranto, onde comunidades rurais cultivam arroz em terras alagadas, mantendo uma relação simbiótica com a natureza. A água é abundante na terra, nos poços, fontes, riachos, e na história do povo. O meu avô abriu e fechou as comportas de irrigação coletiva dos arrozais, que deram trabalho e sustento a muita gente.

O projeto "O Homem que Guardava as Águas" surgiu a caminhar e a escutar esta paisagem transformada pelo homem, com o objetivo de refletir sobre a simbiose com a água e o seu impacto cultural, ambiental, social e na identidade das comunidades locais, além de aprofundar esta ancestralidade de onde venho. Este disco é um dos resultados. Uma obra/documento, feitaa várias mãos, criada a partir da imersão coletiva no Vale do Pranto e no seu património de um modo geral. Realizado em generosa co-criação com vários artistas e por todas as pessoas que partilharam as suas histórias e as que facilitaram este processo, pretende ser um lugar de Escuta, do início ao fim!

A minha contribuição nesta peça sonora inclui registros das águas captadas durante residências artísticas, paisagens sonoras em transformação e a dramaturgia da escuta. Também presto homenagem à minha família, passado e presente, e à comunidade que ela representa, com um agradecimento especial aos meus pais. Este trabalho de Escuta e Curadoria é nosso.

Por fim, é uma proposta de reflexão sobre o lugar da criação, pensar o seu tempo na esfera do afeto, do encontro e da natureza das coisas. Aqui, o Pranto é rio, é corrente, é elo, é laço, é rede, é comunidade, mas, como um rio, ele é também liberdade!

BIOGRAFIA

Susana Guardado desenvolve trabalho entre Portugal e o Brasil, com foco na diversidade, inclusão e práticas coletivas. Foi residente do projeto Carpe Diem entre Lisboa e o Rio de Janeiro em 2013 e 2014. No Brasil, o seu trabalho evoluiu para projetos que promovem vivências conjuntas, fomentando o pensamento artístico e filosófico sobre a potência do coletivo. Cria proposições que exploram o encontro como plataforma criativa e política, construindo novas dinâmicas culturais e práticas artísticas mais democráticas, inclusivas e plurais. Formada em Escultura em Artes Plásticas pela Ar.Co., Lisboa, já apresentou trabalhos em diversos espaços institucionais, festivais e galerias de arte, incluindo o Festival de Vídeo “In The Loop”, Washington DC, Skyway’10 International Light Festival - Polónia, MAM - Museu de Arte Moderna - Rio de Janeiro, MAC Niterói, CCB Lisboa. Participou em residências como Sítio das Artes, Fundação Gulbenkian, Xerém - TAT (Triangle Arts Trust) e Maus Hábitos. Integrou a comissão de júris do concurso Arte pela Democracia da DGARTES em 2023. Atualmente, desenvolve projetos numa aldeia no Concelho de Soure, construindo formas sistêmicas de pensar arte a partir do património cultural da região, práticas artísticas diversas e princípios ecológicos, realizados por indivíduos e comunidades, com objetivo do desenvolvimento de um espaço focado na criação, na democratização do acesso à cultura, com foco num futuro mais sustentável.

Crédito fotográfico: Amora Pêra